As vendas em restaurantes e empreendimentos do segmento de alimentação fora do lar, o chamado food service, vêm caindo na média em uma taxa maior do que no acumulado do varejo. As informações são do Instituto Food Service Brasil (IFB), que reúne dados do setor.
Em abril, a queda foi de 54,5% em vendas nos estabelecimentos associados ao IFB. No total do varejo, a queda foi de 36,5%, segundo o Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), com dados levantados pela adquirente Cielo.
No mês de maio, nos dados do IFB semana a semana, compartilhados com a Exame, a queda começou a reduzir, embora ainda em declínio acentuado na comparação com 2019. Na semana de 18 a 24 de maio, a queda foi de 48%, ainda segundo o IFB. Foi a menor desde março, à medida em que as lojas físicas, incluindo em shopping centers, começaram a reabrir gradualmente pelo Brasil.
“O consumidor é que vai ser o grande driver – se ele se sente seguro para entrar no estabelecimento de alimentação fora do lar”, diz Ely Mizrahi, presidente do Instituto Foodservice Brasil, sobre os movimentos de reabertura.
Na cidade de São Paulo, o prefeito Bruno Covas (PSDB) disse ontem que a expectativa é que bares e restaurantes possam reabrir na segunda-feira, 29, para refeições no local. Os estabelecimentos só poderão funcionar seis horas por dia, recebendo 40% da capacidade.
O principal desafio é que o setor não enxerga um horizonte em que a demanda voltará a ser como no passado. Mesmo com a reabertura, uma série de mudanças precisará ocorrer, com menos clientes por metro quadrado e menos funcionários demandados.
Um exemplo é nos restaurantes de comida por quilo, um dos formatos mais populares no setor de alimentação fora de casa no Brasil. “Certamente haverá mudanças fortes no modelo”, diz Mizrahi, que falou à EXAME antes dos anúncios de reabertura do salão dos restaurantes em São Paulo. “Não sabemos exatamente quais serão, se vai mudar o modelo de negócio para empratado, para ser um modelo de à la carte, se vai ser obrigatório o uso de luvas e distanciamento numa mesa de buffet, proteção dos alimentos. Tem várias possiblidades ainda sendo discutidas.”
Delivery não é suficiente
Com o passar dos meses de isolamento, que começou no Brasil em março, as empresas também vêm conseguindo se adaptar melhor à operação via delivery. Os dados do IFB mostram que, em maio, o número de lojas operando com delivery está acima de 53% sobre o total de lojas das redes, ante taxas que ficavam abaixo de 48% em março e abril.
Os restaurantes têm se voltado sobretudo a serviços como iFood, Rappi e Uber Eats, os chamados marketplaces, onde podem oferecer seus produtos a uma base de milhões de usuários que usam esses aplicativos, mas, em troca, pagam uma taxa às empresas.
“O aspecto positivo desse processo, na verdade, é o crescimento do digital, principalmente através da figura do marketplace, apoiando de alguma forma a operação. E o lado negativo disso é a questão do custo das taxas dos marketplaces”, diz Mizrahi.
Outra reclamação do setor em relação aos marketplaces de refeições, além das taxas, é o baixo relacionamento com o consumidor. Isso tem feito uma série de restaurantes, sobretudo os de maior porte, lançarem mão de aplicativos próprios.
Em um levantamento da Associação de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel) com seus associados, 73,5% dos restaurantes afirmaram que estão trabalhando com entregas, mas 80% está insatisfeito com o atendimento dos aplicativos. O iFood foi campeão de reclamações, diz a Abrasel.
Com a população em quarentena, a demanda por delivery de refeições e itens de alimentação explodiu. Ao todo, as compras de alimentos e bebidas online subiram 339% em maio, segundo a empresa de inteligência Compre&Confie — três vezes mais do que a alta total do comércio eletrônico, que foi de 133%.
Só no iFood, líder no segmento de refeições, foram mais de 30 milhões de pedidos por mês, com a plataforma batendo recorde de uso na pandemia.
Apesar das altas, os dados do IFB mostram que as vendas por delivery não foram suficientes, sozinhas, para compensar a queda na receita do setor de alimentação fora do lar. “A participação do delivery ainda é muito pequena, por mais que ele tenha crescido muito”, diz Mizrahi.
Desemprego em alta
Com a queda nas vendas, milhões de empregos vêm sendo perdidos no setor de alimentação. Ainda não há dados oficiais, mas a projeção é que de 20% a 30% do quadro formal de empregos no setor tenha sido cortado, diz Mizrahi.
A Associação de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel), em uma pesquisa com seus associados na capital paulista entre 5 e 12 de junho, constatou que mais da metade (57%) dos estabelecimentos precisou demitir funcionários.
Do total, 83% utilizou a suspensão de contratos de trabalho, procedimento autorizado pelo governo federal por meio da medida provisória 936, instituída no começo da pandemia. A MP permite a suspensão de contratos e redução de salário e jornada de trabalho dos funcionários.
Dentre os empresários ouvidos pela Abrasel, só 12% afirma que conseguiu obter financiamento por meio de algum dos pacotes de apoio a pequenas e médias empresas anunciados pelo governo. A dificuldade das PMEs em obter crédito em meio à pandemia, não só no setor de alimentação, vem sendo frequentemente apontada por empresários.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) estima que pode haver mais de 1,8 milhão de cortes só entre os contratos formais no comércio. No setor de alimentação, também há um grande número de trabalhadores informais ou que fazem os chamados “bicos” esporádicos, como garçons, além de micro-empreendedores que têm pequenos estabelecimentos ou trabalham no comércio informal de alimentação.
Matéria publicada no portal Exame.
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