Até pouco tempo atrás, coisa de cinco ou seis anos, para quem trabalhasse no segmento de tendências de consumo no foodservice era comum escutar que a dinâmica do setor era lenta e que não existiam mudanças disruptivas em curto e médio prazos.
Essa máxima era verdadeira não só no Brasil, mas também internacionalmente, como dados do estudo Crest, que vem mapeando o segmento em mais de treze países há algumas décadas, mostravam.
Por mais incertezas que eventos ou crises locais pudessem trazer temporariamente, sabia-se que, no final do dia, os japoneses sempre iam comer muito arroz, os americanos muito hambúrguer e os brasileiros, muito arroz e feijão.
Se por um lado a máxima ainda é verdadeira (arroz e feijão provavelmente será a base alimentar do brasileiro em décadas por vir), por outro lado a afirmação de que o foodservice é um segmento estável e previsível caiu por terra após 2020.
Claro que este problema não é exclusivo – houve mudanças significativas no comportamento de consumo em áreas que vão desde higiene básica até educação e materiais de construção -, mas é inegável que a alimentação fora do lar, antes um grande e tradicional segmento da economia, ganhou dinamicidade inédita nos últimos meses – e esta realidade não vai mudar tão cedo.
Das grandes variações que temos observado, destacam-se:
- Tamanho do setor
Dados do estudo Crest¹ revelam que no primeiro trimestre deste ano houve uma queda de -41% de transações em relação ao mesmo trimestre de 2020. Em reais, a queda representa -35%, totalizando R$ 31,5 milhões gastos com alimentação fora do lar pelos consumidores (R$ 17 milhões a menos do que o total gasto no mesmo período do ano anterior). - Ticket médio
Se no início da pandemia houve uma redução do gasto ticket individual no foodservice porque as refeições passaram a ser mais divididas com núcleos familiares (reduzindo o gasto por pessoa), a partir da segunda metade do ano observamos um movimento contrário. O ticket médio individual do setor passa a aumentar, culminando no primeiro trimestre de 2021 com um crescimento de +9%.
Esse movimento não se deve mais à mudança na configuração dos grupos. Estes continuam estáveis ou com leve crescimento, à medida que mais pessoas aderem a pequenas reuniões esporádicas. Outros fatores contribuem com este movimento:
- Taxa de entrega
Nas refeições que têm entrega via delivery, telefônico ou digital, o ticket declarado aumenta 23% no mesmo período; - Inflação
Dados do IPCA² revelam ao final de março uma inflação de aproximadamente 17,6% dentro do lar e 5,3% fora do lar, que acaba refletindo no bolso do consumidor final; - Aumento da cesta
Esse é o fator mais tímido, porém importante em termos de oportunidade de desenvolvimento. Não é consistente em todos os canais e segmentos, mas quando estudamos de modo geral o foodservice percebemos que algumas cestas têm aumentado o número de itens, como sanduíches, sobremesas, lanches e snacks, em detrimento de cestas com componentes de refeições (pratos principais, porções, aperitivos), que têm sido mais econômicas.
Por esta razão, padarias, lanchonetes, redes de lanches e snacks e lojas de conveniência têm conseguido aumentar o tamanho da oferta que oferecem aos consumidores. No entanto, o movimento é recente e ainda frágil. Com a alta do ticket médio sem uma oferta adequada, este movimento pode se tornar vulnerável.
Conclusão
O foodservice está mais dinâmico do que nunca. Segmentos e ocasiões que antes eram eventuais, de indulgência ou reservados ao final de semana invadem outros momentos à medida que a rotina do brasileiro muda com a adaptação constante a novos cenários de lazer e trabalho.
O fator preço, junto com promoção, continua sendo um direcionador relevante, tendência que tem se consolidado desde 2016 na alimentação fora do lar no País. No entanto, o que os consumidores mais têm procurado neste momento ao escolher um restaurante é um mix de qualidade (incluindo variedade) e um tamanho que mate a fome (e atenda à necessidade individual ou do grupo, conforme o caso) por um preço acessível – considerando-se o cenário econômico instável e o aumento de preços.
Acompanhar as movimentação e dinâmicas do foodservice brasileiro permite identificar oportunidades que hoje mudam mais rapidamente do que acontecia há cinco anos, exigindo cada vez mais capacidade de atualização e adaptação para a indústria e operadores que atuam no setor.
¹ Fonte: Estudo contínuo Crest com consumidores de refeições preparadas fora do lar, com metodologia internacional conduzido no Brasil pela Mosaiclab em parceria com The NPD Group para o Instituto Foodservice Brasil.
² Fonte: IPCA (IBGE), dados de inflação acumulada em 12 meses, finalizados em março 2021.
Para dúvidas ou mais detalhes dos estudos, entre em contato no e-mail: info@mosaiclab.com.br.
Vólia Simões é diretora de Inteligência de Mercado e Consumer Insights na Mosaiclab.