Era uma tarde no final de 2018 em que eu almoçava com o saudoso amigo e consultor Enzo Donna. Gosto de almoçar e jantar com mentes privilegiadas, pois, além de desfrutar dos prazeres da mesa, também posso aprender novas perspectivas. Ali foi um dos nossos últimos exercícios de futurologia, de dois economistas apaixonados pelo mercado de foodservice. Falamos sobre a “uberização” da logística, o abastecimento via marketplaces e a chegada iminente de uma onda de capital por meio de M&As, IPOs e private equity. Só não contávamos com a pandemia para acelerar tudo isso.
Um mercado até então pujante, em que, em 16 anos, o CAGR (crescimento anual composto) crescia cinco vezes em relação ao PIB brasileiro, viu-se pressionado a demitir mais de 1 milhão de trabalhadores e encerrar as atividades de 30% dos estabelecimentos, segundo estimativa da Abrasel. O faturamento teve queda de 39%, segundo o Instituto Foodservice Brasil (IFB). Cidades se fecharam. O local de trabalho mudou. A liturgia brasileira do horário de almoço às 12h deixou de existir. Tudo se transformou. O momento tornou-se propício para a revolução que era procrastinada pelos bons resultados e teve de emergir para salvar o setor.
A salvação veio pela tecnologia. Sem ela, não haveria como vender e comprar. O iFood cadastrou mais de 80 mil novos estabelecimentos em 2020 e somente na Black Friday foram 2,5 milhões de pedidos em um só dia. Se antes o dono do estabelecimento era avesso ao delivery devido às suas altas taxas de operacionalidade, agora ele e mais 320 mil estabelecimentos estão conectados nos diversos aplicativos de delivery. Adaptaram-se rapidamente. Cinco anos em cinco meses.
O distribuidor especializado, que representa 40% do abastecimento nacional, segundo a Pesquisa Foodcheck da MosaicLab, não tinha o canal digital como alta prioridade no desenho estratégico de curto prazo das empresas. Até a chegada da pandemia, o e-commerce para suprimento alcançava cerca de 4% do setor. Agora, estima-se que 11% dos operadores já comprem neste modal, segundo a Food Consulting. Com a chegada de startups como Frubana, a entrada do Magazine Luiza com as suas multi aquisições e o modelo de fullfilment de gigantes como B2W, Amazon e Mercado Livre a pleno vapor, a cadeia de distribuição começa a se movimentar rapidamente. Cinco anos em cinco meses.
Da agenda discutida naquele almoço de 2018, acompanhado de esfihas e vitamina de coalhada fresca, ainda tem o esperado boom dos M&As e IPOs. E 2021 começou animado. A multinacional de Distribuição BidFood fez a aquisição da Leão Marinho e o grupo Delly’s, maior distribuidor nacional, adquiriu o gigante mineiro Nova Safra. No quesito IPO, o Assaí Atacadista lançou-se à bolsa de valores com uma espetacular valorização de 385% em suas ações no primeiro dia de pregão. Ainda anunciou a formatação de uma distribuidora para concorrer em outros canais, indo além do autosserviço. O canal cash & carry tem 6% do share de abastecimento do foodservice e o Atacadão, que é a maior empresa do canal no Brasil, amplia sua atuação com a aquisição do e-commerce CotaBest. Pelo lado dos operadores, ainda veremos o Madero, que estuda trocar o IPO na Nasdaq pela B3 ainda em 2021. Cinco anos em cinco meses. Ou, neste caso, um pouquinho mais.
Muitas transformações nos canais de abastecimento ainda estão por vir.
Vamos ver a vacinação de 70% da população e uma onda de euforia no final do ano. Partimos para o pós-pandemia. Indústria 4.0.
Lembramos da pirâmide de Maslow e que o foodservice está em todas as camadas da necessidade humana, desde a fisiológica, com a alimentação durante o horário de trabalho, até a propagação de nossos melhores valores quando oferecemos uma marmita a quem tem fome.
A transformação digital salvará o setor e nos permitirá passar bons momentos de indulgência com os familiares e amigos. Aqueles que estão somente na memória e dos novos que são muito bem-vindos para falarmos dos próximos 10 anos deste mercado que nos desafia, nos sustenta e nos apaixona.
Thiago Theodoro é head de Vendas e Trade Marketing para Foodservice da Cargill Foods Brasil e membro do comitê de Transformação Digital do IFB.